Por que o fascismo está sempre à espreita?
- Rafael Silva
- 26 de jan.
- 3 min de leitura
Atualizado: 2 de fev.
"Aí lutam o diabo e Deus, e o campo de batalha é o coração dos homens".
Dostoiévski - Os Irmãos Karamazov
Esta é uma abordagem psicanalítica do problema da repetição do ciclo paz-guerra na arena sócio-política, desenvolvida sob reflexões suscitadas a partir da leitura do livro de Erich Neumann intitulado Psicologia profunda e nova ética, e sobretudo com base no trabalho de análise e autoanálise psicanalítica, pois parto da premissa de que o desenvolvimento ético da civilização não só é fruto do desenvolvimento ético de cada indivíduo, como também segue as mesmas leis e dinâmica de movimento. Assim, aqui vamos abordar como o problema social do reiterado retorno do fascismo pode ser explicado pelos conflitos existentes na psiquê humana.
A civilização só foi e é viável porque os valores associativos ou gregários entre os indivíduos conseguiram sobrepor-se aos impulsos primitivos, e não poderia ser de outra forma, pois nos primórdios da existência humana, viver em bando era uma questão de sobrevivência. Assim, para sobreviver no coletivo, nossos ancestrais (e nós ainda) tiveram que abrir mão de impulsos incompatíveis com o convívio social. Isso não significa que estes impulsos primitivos tenham deixado de existir, mas que apenas foram reprimidos ou recalcados. Freud¹ encontrou nestes recalques uma explicação para os sentimentos de mal estar, angústia e incompletude que assolam todos os indivíduos, o que vamos ver mais adiante que faz todo o sentido. Desse modo, essa foi a ética primordial e que até hoje fundamenta a existência coletiva: a rejeição categórica das forças psíquicas contrárias a existência da civilização, como exemplos: a agressividade, a sexualidade, etc. Neumann, em sua obra supracitada, chamou essa ética de velha ética, e apesar de considerá-la um grande avanço em relação ao estágio inicial de prevalência dos instintos primitivos, ela é responsável pelos graves conflitos sociais da civilização. As tradições religiosas, em especial, a judaico-cristã, foram as grandes responsáveis pela inculcação dessa ética, que também provoca severos sentimentos de culpa inconscientes e conscientes no ser humano.
Com base na psicologia analítica de Carl Gustav Jung, Neumann recupera o conceito de sombra desenvolvido por seu mestre, para afirmar que os instintos primitivos recalcados no inconsciente não morrem, mas vão se acumular na psique até o ponto de irromperem para o coletivo de forma destrutiva. “A cisão de um mundo ético de valores na consciência, por um lado, e de um mundo subterrâneo do inconsciente que nega os valores e carece ser suprimido e reprimido, por outro, leva a sentimentos de culpa na humanidade e a estancamentos de forças agora inimigas da consciência, cujas explosões transformam a história humana num rio de sangue sem similar” (NEUMANN, pág. 44). Assim vê-se que o fenômeno da projeção, através do qual o indivíduo projeta no outro, conteúdos recalcados no seu inconsciente, se manifesta também no âmbito do coletivo. A partir daí nasce o que Neumann chama de psicologia do bode expiatório, na qual o outro – indivíduo ou grupo social – é considerado o culpado pelos problemas do mundo.
Tal qual acontece na neurose individual, na qual o ponto de irrupção se manifesta sobre a área mais frágil da psique, a neurose coletiva também vai drenar seu conteúdo recalcado sobre os grupos sociais mais frágeis socialmente ou minorias sociais, como imigrantes, negros, homossexuais, população de rua, etc. Portanto, este princípio de busca pelo ponto de menor capacidade de resistência, está presente tanto no aparelho psíquico individual quanto coletivo.
No que se refere ao grupo social mais vulnerável de ser acometido por uma neurose coletiva, também podemos traçar uma analogia com a neurose individual. Cada vez mais o processo civilizatório vai exigindo de cada indivíduo a supressão dos seus instintos primitivos, como exemplo, temos a criminalização do racismo, da homofobia, da misoginia. Ou seja, o superego social torna-se cada vez mais exigente. Como sabemos, em psicanálise, um superego rígido alinhado com um inconsciente abarrotado de conteúdos primitivos recalcados é uma combinação perfeita para uma neurose. Desse modo, o grupo social que protagonizará a neurose coletiva será sempre aquele onde o superego
Liberdade de falar o que quiser
No entanto, conforme Neumann observa em sua obra, a capacidade de supressão e elaboração dos instintos de cada ser humano é variável devido a diversos fatores, sobretudo sociais.




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